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Resenha: Cândido ou o Otimismo – Voltaire

Editora: Penguin
Autor: Voltaire
ASIN: 9788563560582
Edição: 1
Número de páginas: 184
Acabamento: Brochura
Classificação EDS: 100 de 100 pontos
Compre: Amazon

Até ser expulso de um lindo castelo na Westfália, o jovem Cândido convivia com sua amada, a bela Cunegunda, e tinha a felicidade de ouvir diariamente os ensinamentos de mestre Pangloss, para quem “todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis”.
Apesar da crença absoluta na doutrina panglossiana, do primeiro ao último capítulo, Cândido sofre um sem-fim de desgraças: é expulso do castelo; perde seu amor; é torturado por búlgaros; sobrevive a um naufrágio para em seguida quase perecer em um terremoto; vê seu querido mestre ser enforcado em um auto da fé; é roubado e enganado sucessivas vezes.
Cândido só começa a desconfiar do otimismo exacerbado de seu mestre quando ele próprio e todos os que cruzam seu caminho dão provas concretas que o melhor dos mundos possíveis vai, na verdade, muito mal.

Minhas impressões

Numa resenha mais séria e cheia de grandes reflexões poderia dizer que a leitura de Cândido ou Otimismo foi muito interessante devido às questões filosóficas envolvidas ou que Voltaire apresenta o Iluminismo de maneira peculiar e importante, consideraria a crítica ao filósofo Leibniz, apontaria outras questões da História cujos reflexos sentimos até hoje e tudo o mais, mas a minha sugestão é de que o livro vale a leitura porque é muito, muito engraçado.

A história começa tranquila e conhecemos Cândido, um jovem inteligente e bondoso que vive sob o abrigo de um renomado barão tendo como preceptor o mestre Panglos, tudo vai bem até que, completamente apaixonado pela doce e bela Cunegundes, o moço é expulso a ponta pés por não possuir nobreza suficiente para casar-se com a filha do barão.

A partir daí a obra embarca num ritmo alucinante e há tempos não ria tanto com uma leitura!

– Ó querida Cunegundes! Serei forçado a abandonar-vos no momento em que o senhor governador presidiria as nossas núpcias! Cunegundes, trazida de tão longe, que será de vós?
– Há de ser o que puder – disse Cacambo – As mulheres sabem sempre o que fazer de si; Deus zela por elas, corramos!

Cândido ou Otimismo é um livro enxuto, de capítulos curtos e em que são sobrepostos acontecimentos incríveis, as desventuras em série são tantas e de proporções tão grandes que ficamos curiosos sobre a certeza da sequência dos fatos e aí é que está a graça! São prisões, trapalhadas, misérias, desenganos, fortunas perdidas e disfarces que de tão trágicos, viram cômicos.

Sem ter onde morar, Cândido acaba por testemunhar vários fatos da História, acompanhou de corpo presente o terremoto de Lisboa (1755), reis que perderam seus tronos, ações da Inquisição, a guerra dos sete anos, ataques piratas e atravessou territórios numa verdadeira volta ao mundo passando, entre outros, pela Alemanha, Holanda, Portugal, América do Sul, França, Inglaterra, Veneza e Turquia.

Em determinado momento sua busca e seu objetivo de vida passa a ser o reencontro com sua amada Cunegundes e desconfio que seja esse o propósito que de alguma maneira o fará lidar com tantas desgraças. Para além do riso fiquei pensando na importância de cada um ter aquilo que o move e que nutrir um sonho pode sim contribuir na superação de obstáculos. Cândido terá tão firme sua convicção de retorno aos braços de seu amor que desistirá da possibilidade única de viver no mitológico reino de Eldorado que ele encontrou por ali, na Cordilheira dos Andes.

– Não resistiremos, já andamos demais, vejo um bote vazio à beira da água, enchamo-lo de cocos, joguemo-nos dentro e deixemo-nos ir ao sabor da corrente; um rio sempre leva a lugar habitado. Se não encontrarmos coisas agradáveis, encontraremos pelo menos coisas novas.

Seu professor Panglós defende que toda a desgraceira que acontece é reflexo do melhor dos mundos possíveis, que tudo está bem mesmo quando se está muito mal e Cândido segue acreditando apesar da grande ponta de dúvida que começa a aparecer. Para contrabalancear tanto otimismo, nosso jovem conhece o velho sábio Martinho que tem um olhar mais pessimista (realista?) em que sinalizará que o mundo é definitivamente abominável.

– Acreditais – disse Cândido – que os homens sempre se tenham massacrado mutuamente, como fazem hoje em dia? Que sempre tenham sido mentirosos, trapaceiros, pérfidos, ingratos, bandidos, fracos, volúveis, poltrões, invejosos, glutões, beberrões, avarentos, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, devassos, fanáticos, hipócritas e tolos?
– Acreditais – disse Martinho – que os gaviões sempre tenham devorado pombos, toda vez que os encontram?
– Sem dúvida que sim – disse Cândido.
– Pois bem! – disse Martinho – se os gaviões sempre tiveram o mesmo caráter, por que pretender que os homens tenham modificado o deles?

Em alguns momentos o livro lembra aqueles seriados em que os personagens que foram mortos e enterrados ressurgem do nada e continuam a vida tranquilamente, com explicações surreais como se nada tivesse acontecido e nosso Cândido segue acreditando e entoando o “Ai de mim”, “que mundo é esse?” e “como esse pode ser o melhor dos mundos?” enquanto toda a sorte de situações vai se sobrepondo.

A sátira de Voltaire pseudônimo de François Marie Arounet foi publicada em 1759 e suas críticas irreverentes seguem na linha da provocação, ainda que sem aprofundamento, do otimismo exagerado, da tirania de alguns governos, das diversas religiões, da corrupção e da ganância. É um conto bastante curto e leva pouco tempo para ser lido se compararmos às reflexões, mensagens e retomadas posteriores dos risos e episódios narrados.

Por fim, penso que o ideal é não sermos tão otimistas e nem totalmente pessimistas procurando “cultivar o jardim” e fazer o nosso melhor diante das situações que se apresentam agindo com força e coragem.

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