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Resenha: Terra dos Homens – Antoine de Saint-Exupéry

Editora: Nova Fronteira
Autor: Antoine de Saint-Exupéry
ISBN: 9788520940297
Edição: 1
Número de páginas: 142
Acabamento: Brochura
Classificação EDS: 100 de 100 pontos
Compre: Amazon

Saint-Exupéry, nascido em 1900, em Lyon, França, conta nesse livro de memórias como descobriu sua vocação aos 12 anos, ao voar pela primeira vez em um balão. Piloto civil aos 21 anos, aos 26 passa a integrar a equipe de pioneiros que, em pequenos aparelhos a hélice, sem conforto ou pressurização, sobrevoa o Saara e a cadeia andina para levar à Àfrica e à América do Sul o correio aéreo da Europa. Além de exímio piloto, ele se tornaria célebre ao escrever ‘O pequeno príncipe’.

Minhas impressões

A paixão pela narrativa contada em “O Pequeno Príncipe” onde a leveza dos valores universais estão postos e a jornada do herói é desbravada de uma maneira tão simples que chega a espantar, me levaram a procurar saber mais do francês Antoine de Saint-Exupéry, escritor, ilustrador e piloto apaixonado por mecânica.

Cheguei em “Terra dos Homens” e fui surpreendida com um livro fascinante em que a voz do silêncio se faz presente pela aventura e a coragem de estar vivo diante dos obstáculos que se sobrepõem pelo viés do trabalho, pois seus capítulos vão contar as incríveis histórias vividas por ele e seus companheiros, pilotos de avião funcionários do correio aéreo francês, no final da década de 30 enquanto voavam para África e América do Sul.

Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava ou fazia confidências. Naquela outra casa, alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe em longe brilhavam esses fogos no campo, como que pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos…

Como você vê o que o cerca? Como são seus colegas de trabalho? Quem “carrega o piano” com você? Exupéry nos conta sobre aqueles com quem trabalhava de forma com que possamos entender o significado de companheirismo, de saber exatamente o que o outro está passando porque também já esteve sob aquele céu ou viveu uma queda muito parecida com a dele, é de impressionar a cumplicidade e a compaixão narrada, além é claro, dos momentos cômicos.

Os relatos ocorrem de maneira aleatória, mas são essencialmente do período em que o autor foi piloto civil e trazem um grau de complexidade mostrando as pessoas em suas vastas nuances, questiona se temos chance de renascer e o que dá sentido à vida. Diante de uma situação em que se depara com um trem de trabalhadores imigrantes, diz que o que mais o atormenta não é a situação ali apresentada de fome, magreza e sim o pequeno Mozart e outros tantos talentos que não seriam descobertos, que não teriam a chance de ser mais.

A riqueza da experiência humana é colocada diante da infinitude do céu e do deserto trazendo a provocação constante sobre o propósito de cada um de nós. Em um determinado trecho, após sobreviver a uma queda de avião (!), o autor fica dias perdido no deserto e é tudo tão intenso, que você começa a ver miragens também e a pensar desesperadamente no sentido da vida, na pulsão de vida que permite com que continuemos APESAR de tudo. É impressionante!

Queremos ser libertados. O que dá uma enxada no chão quer saber o sentido dessa enxadada. E a enxada do forçado, que humilha o forçado, não é a mesma da enxada do lavrador, que exalta o lavrador. A prisão não está onde se trabalha com a enxada. Não há o horror material. A prisão está onde o trabalho da enxada não tem sentido, não liga quem o faz à comunidade dos homens. E nós queremos fugir da prisão.

É inevitável o questionamento sobre as relações e condições de trabalho dos aviadores, mas também dos lugares pelos quais passavam, o impacto da revolução industrial que empurrou o homem do campo para algo que ele não conseguia entender, a crueldade da escravidão e a falta de oportunidades.

Ficamos encantados com a descrição do Saara e dos Andes, somos convidados a embarcar em voos de segurança duvidosa já que as quedas eram consideradas normais para viagens de avião e bastante estarrecidos quando comparamos ao nosso sistema de aviação atual. É impressionante a audácia e bravura dos pilotos.

Nostalgia é o desejo não se sabe de quê…Ele existe, o objeto desse desejo, mas não há palavras para dizê-lo…E a nós, que falta?

Exupéry relembra episódios em que voou sem navegador, com mapas e referências duvidosas e, numa passagem marcante com simbolismo da importância da solidão e do quanto somos pequenos, conta que durante um voo não tem a menor ideia de onde está, perde as referências de navegação e simplesmente segue acima da terra e sob a imensidão do céu, em uma verdadeira poesia infinita diante de algo tão grandioso sem o desespero por um desfecho.

Terra dos Homens vai além e impressiona com a máxima de que a verdade é o que simplifica o mundo e isso contado através de um percurso poético, sensível e delicado das estrelas no céu e das luzes perdidas na planície. A imensidão da obra vale a pena para pensarmos os pequenos detalhes, sutilezas da vida e também para a grandiosidade da existência.