Ícone do site Estante dos Sonhos

Resenha: Primavera de cão – Patrick Modiano

Editora: Record
Autor: Patrick Modiano
ISBN: 9788501103062
Edição: 1
Número de páginas: 112
Acabamento: Brochura
Compre: Amazon
Classificação EDS:  100 de 100 pontos

O mais misterioso livro de Patrick Modiano. Aos dezenove anos, numa manhã da primavera de 1964, o narrador encontra o fotógrafo Francis Jansen. Ele trabalha em Paris para uma revista norte-americana, foi amigo de Robert Capa, encontrava-se com uma mulher chamada Colette Laurent que agora o procura incessantemente, guarda todas as suas fotos em três maletas, e desaparece sem deixar vestígios.
Homem evasivo e misterioso, Jansen faz parte da galeria de tipos que, como só Patrick Modiano é capaz de descrever, prefere o silêncio e as reticências às palavras.
O narrador retorna a bairros afastados, tenta reencontrar pessoas perdidas, e busca romper a camada de silêncio e de amnésia ao seu redor. As silhuetas lhe escapam; depois de trinta anos, os rostos já não estão nítidos. Ele deseja recuperar o passado, para que se torne algo além de fragmentos distantes e ausentes. Tudo lhe causa uma sensação de irrealidade. E é na busca do passado, de Francis Jansen e de tantos outros, que sua identidade é rememorada.

Minhas Impressões

O interesse na leitura do livro partiu da vontade de tomar conhecimento de alguma obra do escritor ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2014. Tive uma grata surpresa, pois o livro é sutil e disparador de memória.

A história é leve e conta as memórias do narrador enevoadas pelo tempo e sua amizade primaveril com o fotógrafo misterioso Francis Jansen. Encontro que deixou marcas e aquela sensação suspensa de uma relação que simplesmente sumiu no ar.

Jansen tirava fotos com sua Rolleiflex, mas eu quase não notava… Certo dia, quando eu me assombrei com essa fingida desenvoltura, ele me disse que era preciso “capturar as coisas com doçura e em silêncio senão elas se retraem”

Jansen é francamente um grande e sensível profissional que carrega consigo a dor e a saudade pela perda precoce de um amigo, de seu amor, e demonstra apesar de continuar a fotografar, ter perdido o encantamento pela vida. Mostra sabedoria em alguns exemplos, sensibilidade de artista e pouco conforto com as relações pessoais.

A fotografia permeia toda a obra e é parte da poesia silenciosa do livro, seja na vivência entre os dois amigos, na descrição da organização primorosa de todo o acervo do fotógrafo realizada pelo narrador, na projeção de que o jovem possa alcançar o sonho de ser escritor ou na forma em que os cenários parisienses são apresentados.

No decorrer da leitura, nas entrelinhas e, apesar de não existir a promessa, ficamos aguardando aquela boa e velha redenção que nos conforta, mas a resposta virá de maneira surpreendente sugerindo que a estranheza de alguns momentos de nossa vida esteja ligada a um duplo que morreu em nosso lugar.

Não se preocupe, meu jovem… Eu também costumava cair em buracos negros com frequência… Eu não podia prever o futuro.

A cenografia parisiense contemporânea e de outrora, a biografia de Jansen, o próprio narrador, o silêncio e alguns mistérios deixam a história numa suspensão interessante que mobiliza a continuidade da leitura. Vale!

Descobri posteriormente que a obra fecha uma trilogia que, garante o autor, pode ser lida de maneira absolutamente independente e sem prejuízo. Os títulos anteriores são Remissão da Pena e Flores da Ruína.