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Resenha: A Vida Peculiar de Um Carteiro Solitário – Denis Thériault
Editora: Casa da Palavra
Autor: Denis Thériault
ISBN: 9788577345557
Edição: 1
Número de páginas: 128
Acabamento: Brochura
Classificação EDS: 100 de 100 pontos
Bilodo vive a tranquila vida de um carteiro sem muitos amigos nem grandes emoções. Completa diariamente seu percurso de entrega e retorna sempre à solidão de seu pequeno apartamento em Montreal. Mas ele encontrou uma excêntrica maneira de fugir dessa rotina: aprendeu a abrir as correspondências alheias sem deixar rastros e passou a ler as cartas pessoais com as quais se depara. E foi assim que ele descobriu o primeiro grande amor de sua vida: a jovem professora Ségolène, que mantém uma misteriosa correspondência com o poeta Gaston, composta somente por haicais.
Minhas Impressões
Em “A Vida Peculiar de Um Carteiro Solitário” temos a possibilidade de pensar uma série de questões existenciais a partir de uma história aparentemente, eu disse aparentemente, previsível.
Começamos refletindo sobre o cotidiano laboral de um carteiro. Você já parou para pensar no cotidiano de algumas profissões? Bilodo, personagem principal da obra, é um exímio carteiro, possui técnica refinada na separação das cartas e total domínio de seu território de entrega. Conhece ruas, degraus, tempo mínimo, máximo e algumas particularidades de emitentes e remetentes.
oscilando feito um pêndulo entre a esperança e a resignação, era a prova viva de uma velha verdade: não existe nada pior do que esperar quando você não sabe ao certo como vai ser o desfecho da situação em curso.
As virtudes de Bilodo ficam pelo caminho quando percebemos que sua única tentativa de fuga de um cotidiano medíocre é usar um truque que nossas avós (a minha não!) usavam: a abertura de envelopes no bico da chaleira.
A história não aborda a questão, mas é inevitável o pensamento sobre a finitude das cartas escritas de próprio punho, com letra especial, perfume, tocar dos lábios no papel e tudo o mais. Sou entusiasta de tudo o que a tecnologia nos proporciona, mas o fim das bancas de jornal, dos jornais impressos e das cartas enviadas pelo correio me partem o coração.
Voltando ao livro, outra reflexão fica no âmbito da solidão existencial e da confusão de sentimentos projetados num outro distante e aparentemente inacessível, numa versão empobrecida do amor platônico. O personagem tem a chance de conexão com o mundo real através de um amigo, mas entra num loop desconcertante que marca e determina a narrativa.
Temos ainda, como cúmplices nas leituras das cartas abertas por Bilodo, a aproximação com a cultura japonesa e, em especial, a Arte milenar do Haikai que possui características poéticas interessantes e é o eixo da correspondência entre o carteiro e o objeto de seu “amor”.
Ainda o vórtice maldito. A serpente mordendo o rabo. O tempo canibalizando a si próprio.
O Haikai trata de um pequeno poema com uma métrica de três versos, contendo 5-7-5 sílabas, que surgiu no Japão no século XVI. No Brasil a contagem de 17 sílabas não é necessariamente seguida, chegando a 21 e a rima não é uma regra. Importante que deve ter uma referência a uma estação do ano e estar sempre no tempo presente. Se arrisca?
Por fim, a saída do carteiro para abandonar a mesmice cotidiana é surreal, surpreende pela negação da própria identidade e provoca o pensar sobre quem somos e o quanto devemos lutar cotidianamente, mesmo sabendo da “dor e delícia de ser o que somos”, por uma evolução permanente.