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Resenha: Precisamos falar sobre Kevin – Lionel Shriver

Editora: Intrínseca
Autor: Lionel Shriver
ISBN: 9788580571509
Edição: 1
Número de páginas: 464
Acabamento: Brochura
Classificação EDS: 100 de 100 pontos
Compre: Amazon

Em “Precisamos falar sobre Kevin”, a autora fez um thriller psicanalítico em que a mãe do assassino escreve cartas ao pai ausente. Discute casamento, maternidade e família, enquanto denuncia o que há com sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em série, ou ‘pitboys’.

Minhas impressões

Já deve fazer uns três anos que li esse livro e que fiz a resenha, mas desde então vinha tentando achar algum psicólogo infantil para conversar sobre o assunto, mas é bem difícil achar alguém assim disponível =/

Fiquei enrolando bastante tempo para ler, pois sabia que além de tomar bastante tempo, ficaria na minha cabeça por muito tempo. Como o livro já é bem conhecido devido o filme, tomei a liberdade de dar alguns spoilers e diversas citações. Se você não quiser spoiler, por favor vá para outra resenha =]

Eva é uma mulher madura e independente. Desde cedo ela começou sua empresa, onde viajava por diversos países para criar seus guias de viagens (por isso no início do filme mostra Eva na Espanha, na festa do tomate. No filme essa cena fica fora de contexto).

Ela vivia um romance intenso com Franklin, um típico americano com seu próprio negócio. Os dois já viviam há algum tempo casados e com o nível de paixão de recém casados. Nesse ponto Eva já tinha cerca de trinta e poucos anos, independente e até então jamais havia pensado em ter filhos. Ter o Franklin em sua vida já era suficiente, porém seu marido ansiava por um filho.

Durante o tempo todo em que estive grávida de Kevin, combati a ideia de Kevin, a noção de que eu havia sido rebaixada de motorista a veículo, de proprietária para o imovel em si.

Por favor não me repreendam, vou descrever daqui pra frente como a própria Eva via seu filho. Por mais que eu concorde com a ideia de não ter filhos, não é uma opinião minha.

Pressionada por Franklin, Eva se vê encurralada. Ou ela abre mão da diretoria da empresa por uma criança que ela não quer, ou ela continuaria a vida dela como estava e perderia o marido. Enfim ela aceita o desafio de ter o filho que o marido tanto quer. Uma parte pelo desafio de ser mãe e outra por querer descobrir que sensação era essa que todas as suas amigas descreviam como única.

E embora a dra. Rhinestein tivesse me oferecido depressão pós-parto como um presente, como se dizer à pessoa que ela é infeliz fosse alegrá-la, não pago profissionais para que me entupam com o óbvio, com o meramente descritivo. O termo era mais uma tautologia do que um diagnóstico: eu estava deprimida depois do nascimento de Kevin porque eu estava deprimida depois do nascimento de Kevin.

Desde o nascimento, Kevin parecia ter consciência da rejeição que teve da mãe, tanto que quando nasceu não aceitou o peito da mãe para mamar, além de chorar histericamente quando estava nos braços de Eva. Pra evitar mais spoilers eu vou pular alguns anos.

No momento mesmo em que ele nascia, associei nosso filho com minhas próprias limitações – não só com o sofrimento, mas também com a derrota. (O trabalho de parto do Kevin foi demorado).

Kevin sempre se mostrou uma criança lerda, que não aprendia nada que lhe era ensinado, porém Eva sempre percebeu que isso era na verdade birra dele. Sozinho ele aprendeu a falar e a ler, mas só fazia isso na frente do pai. Com Eva era sempre “nã nã nã nã nã”… Ele aprendeu cedo como ignorar sua mãe, direcionando todo seu afeto para o pai. Eva tinha a impressão de que para Kevin nada interessava. O mundo não tinha nada para lhe oferecer.

Quando dei por mim, você estava debruçado sobre o nosso filho, pedindo emprestado aquele maldito brinquedo. Escuto risadinhas abafadas, algo a respeito da mamãe e momentos depois você está espirrando água em mim.
“Franklin, isso não tem graça. Eu disse a ele para parar. Assim você não ajuda.”
“Nã-Nã? Nã nãã nãã. Nã nã-nã nã nã. Nã nã nã-nã!” Era incrível, mas esses nã-nãs foram pronunciados por você…

Kevin agora já é um pouco mais crescido, tem suas próprias vontades e já entende o que irrita Eva, como o fato de ainda usar fraldas (estou fugindo um pouco da cronologia do livro pra tentar não revelar demais rs). Ele sempre fazia suas necessidades nas fraldas e fazia questão de que todas as vezes que Eva fosse limpá-lo se sujar novamente, obrigando Eva a trocá-lo novamente.
Em uma dessas mal criações, Eva não aguenta e acaba jogando Kevin longe, quebrando seu braço. Eva viu nos olhos do filho um brilho de satisfação, como se ele tivesse ganhado a batalha. Para surpresa de Eva, Kevin não contou para ninguém sobre isso.

Está todo mundo olhando porque você bateu nele”, você disse baixinho, erguendo nosso filho para aninhá-lo em seu colo, enquanto o choro virava berreiro. “Não se usa mais isso, Eva. Não aqui. Acho que aprovaram uma lei a respeito, ou coisas parecida. Ou deveriam ter aprovado. É considerado como agressão física.

Um episódio que me comoveu bastante foi quando Kevin adoeceu e revelou algo que ninguém havia visto até então.

Quando Kevin entra na escolinha, Eva tenta retomar sua vida, mas percebe que é impossível voltar ao que era. Kevin participa de algumas situações estranhas na escola e Eva tem certeza absoluta que é culpa dele, mas como sempre Franklin não escuta e acusa a própria Eva de perseguir o garoto.

Passam-se mais alguns anos e Eva decide ter outro filho. Ela não sabe como explicar, mas algo dentro dela sabe que está na hora. Hora de vencer o desafio de ser mãe, que o problema com o Kevin não era somente ela. Mesmo sem o apoio de Franklin, ela engravida.

Desde a concepção, Eva percebe-se diferente, como se realmente aquela criança fosse filha dela. Kevin como sempre não demonstra nenhuma emoção com a notícia de um irmão.

Nasce então Célia, uma menininha linda (referência do filme). O crescimento de Célia ocorre normalmente. Ela, ao contrário de Kevin, é totalmente dependente da mãe. Franklin vê isso como uma traição em relação ao Kevin e assim acontece a primeira separação, por mais que não seja “palpável”, é visível que são as meninas de um lado e os meninos da casa de outro. Kevin, assim como o pai, não demonstra nenhum afeto pela irmã.

Mais uma vez ocorre um incidente onde Eva insiste intensamente que Kevin é o culpado. Acontece então a segunda separação.

Entendo perfeitamente e me solidarizo com aquele tipo diligente de mãe que vira as costas por um instante — que larga a criança na banheira para atender à porta e assinar o canhoto de uma entrega e, quando volta correndo, descobre que sua filhinha bateu a cabeça na torneira e se afogou em cinco centímetros de água. Cinco centímetros. Por acaso alguém lhe dá crédito pelas vinte e quatro horas menos três minutos ao dia em que vigiou a criança feito um falcão? Pelos meses, pelos anos de “não ponha isso na boca que é caca” e de “opa, quase que a gente caiu”? Ah, não. Nós processamos essas pessoas, alegamos “negligência criminosa” e as arrastamos ao tribunal, elas e seus infortúnios. Porque três minutos apenas contam, aqueles três desgraçados minutos que foram o suficiente.

Vivendo uma relação morna, com um filho adolescente que não gosta dela e uma filha totalmente dependente dela (ainda mais depois do incidente), Eva se esforça para fazer sua família funcionar, mas mesmo tentando se aproximar de Kevin tudo que ela recebe é desprezo.

É engraçado como de alguma forma nós sempre sabemos quando alguma coisa vai dar errado…

Foi assim que Eva acordou naquele fatídico dia. Tudo estava calmo, até mesmo ela e Franklin pareciam viver um novo romance. Kevin estava vestido como um garoto de sua idade, algo estranho de se ver. Mais uma coisa estranha nesse dia foi ver o Kevin estourando com o pai por ele mais uma vez tentar ensiná-lo sobre sua profissão.

Foi neste mesmo dia, uma quinta feira, que tudo aconteceu. Toda a chance de Eva ter uma vida normal novamente, foi pro ralo. Algo acontece na escola de Kevin. Ironicamente nesse dia Eva teve o mesmo instinto que toda mãe tem: “Espero que ele esteja bem”.

Enfim, o livro é absolutamente excelente. Ele tem um teor psicológico bem pesado que leva o leitor a refletir sobre o assunto abordado. Não é por menos que ele acaba sendo classificado por muitos críticos como um dos melhores livros de terror psicológico. A todo momento somos confrontados moralmente a descobrir quem é o culpado na história.

Sinceramente não pretendo me aprofundar muito no assunto de quem é ou não culpado, pois levaria alguns posts a mais para isso, mas o que posso dizer e que eu vi foi: Uma mãe totalmente despreparada psicologicamente e que teve uma depressão pós parto. Um pai totalmente omisso e negligente. E por fim uma criança excepcionalmente inteligente. Quem tem a culpa no final das contas?

Ah sim, não poderia não citar o filme. Já tenho uma “paixão” pela Tilda Swinton há muito tempo, pois ela é um camaleão. Em qualquer papel ela vai se encaixar e vai fazer bem. A química entre ela e o John Reilly é estupenda nesse filme. Sem contar o Ezra Miller que é indescritível nesse filme. A cena final desse filme foi, novamente, indescritível.

Até a próxima =]