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Resenha: O Escafandro e a Borboleta – Jean-Dominique Bauby

Editora: Martins Fontes
Autor: Jean-Dominique Bauby
ISBN: 9788578279141
Edição: 1
Número de páginas: 128
Acabamento: Brochura
Compre: Amazon
Classificação EDS: 100 de 100 pontos

Em 8 de dezembro de 1995, um acidente vascular cerebral mergulhou brutalmente Jean-Dominique Bauby em coma profundo. Ao sair dele, todas as suas funções motoras estavam deterioradas. Em seu corpo inerte, só um olho se mexia. Esse olho – o esquerdo – é o vínculo que ele tem com o mundo, com os outros, com a vida

Minhas Impressões

Ler “O Escafandro e a Borboleta” é um exercício angustiante. É impossível não pensar na agonia e todo o tipo de sentimentos vividos por Jean-Dominique Bauby após o acidente vascular cerebral que o deixou trancado dentro de si mesmo na denominada síndrome do encarceramento.

O autor faz um relato emocionante e instigante de suas memórias sob a ótica do vivido a partir da condição rara em que, apesar de não conseguir se comunicar, sua consciência, sensibilidade, capacidade de pensar e racionar foram preservadas. A única possibilidade de comunicação com o mundo externo vem do movimento da pálpebra de um dos olhos.

O escafandro já não oprime tanto, e o espírito pode vaguear como borboleta. Há tanta coisa pra fazer. Pode-se voar pelo espaço ou pelo tempo, partir para a Terra do Fogo ou corte do rei Midas. Pode-se visitar a mulher amada, resvalar junto dela e acariciar-lhe o rosto ainda adormecido. Construir castelos de vento, conquistar o Velocino de Ouro, descobrir a Atlântida, realizar sonhos de infância e as fantasias da idade adulta.

É o movimento de um dos olhos que vai permitir a possibilidade de diálogo e a herança da experiência ditada no livro. Jean Dominique conhece uma profissional que apresenta a ele um método interessante em que a quantidade de piscadas determina a letra que se quer pronunciar.

O forte na história é que ele a conta da maneira como é, ironiza em algumas partes, filosofa em outras tantas, sofre e desabafa, mas observo que não existe aquela comiseração e sim algo como “a vida aconteceu” e isso é de cortar porque ele pontua sensações, sabores e emoções que não mais serão possíveis de reviver. Nunca mais.

Escafandro e a Borboleta foi escrito de maneira muito peculiar e fico pensando no exercício de paciência e exaustão que o acompanhou. Letra a letra foram ditadas conforme o sistema de letras aprendido e seus trechos foram lapidados durante as longas noites do hospital.

Tive a oportunidade, há um bom tempo, de assistir ao filme originado na obra, premiado com o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, e é um dos raros em que sugiro ver antes ou ao invés da leitura do livro. Explico ponderando que o longa apresenta um pouco mais do que acontece ao redor e compartilha ou até mesmo suaviza um pouco o peso da história.

Tanto quanto de respirar, sinto necessidade de emocionar-me, amar e admirar. A carta de um amigo, um quadro de Balthus num cartão-postal, uma página de Saint-Simon dão sentido às horas que passam. Mas, para continuar vigilante e não afundar na resignação indiferente, conservo certa dose de furor, de detestação, nem de mais nem de menos, assim como a panela de pressão tem sua válvula de segurança para não explodir.

Mergulhamos nas sutilezas do cotidiano e ainda temos a oportunidade de pensar o quanto deixamos de ouvir e ver o outro de maneira verdadeira e não estou falando aqui apenas de um outro com uma síndrome que o impede de verbalizar seus desejos e opiniões.

Durante o livro vamos conhecendo a biografia de Jean Dominique através de algumas ponderações sobre sua carreira de sucesso como jornalista redator-chefe da revista Elle, particularidades dos filhos, suas preferências musicais e artísticas, da vida confortável que levava e de como vê as pessoas que o visitam e ainda do tratamento.

Um sentimento estranho e o valor real da vida permanecem conosco por um bom tempo após a leitura. Poderia dizer que é um exercício chocante que amplia nosso olhar para o que é realmente importante, e que vale muito.