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Resenha: Padaria – Gislene Vieira de Lima

Editora: Modo
Autor: Gislene Vieira de Lima
ASIN: 9788565588188
Edição: 1
Número de páginas: 220
Acabamento: Brochura
Classificação EDS: 100 de 100 pontos
Compre: Amazon

Quando Beto parou em frente àquela padaria, tudo o que ele queria – um emprego que não conflitasse com seu horário de estudo, e ao mesmo tempo, o ajudasse a se manter, já que estava vivendo sozinho em uma pequena quitinete desde que se mudara para a cidade por conta da universidade. O que ele não sabia é que aquela padaria não era um lugar comum. Coisas muito estranhas passaram a acontecer desde que colocou os pés lá dentro, como se aquele espaço estivesse em uma dimensão paralela. O pior é que a influência do lugar parecia persegui-lo também em sua vida pessoal. Fantasmas e criaturas estranhas desfilavam diante de seus olhos como se sua existência sempre estivesse estado ali, a um piscar de olhos de uma pessoa mais atenta. Os que trabalhavam dentro daquele comércio, também eram criaturas curiosas, cada qual com seu problema. Iniciando pelo misterioso Seu Mauro, o proprietário da padaria, sempre rústico no lidar com os demais, porém, ao mesmo tempo, sendo capaz de proteger e cuidar de todos os que estavam sobre o seu teto. Passando pela bela e espevitada Catarina em seu amor infrutífero por um dos gêmeos e com uma sabedoria e profundidade de sentimentos que só mais tarde Beto descobriu, pertencia aos mais velhos. Ao perceber que cada um dos que ali estavam ali tinham um motivo, o jovem protagonista começou a entender que dentro de sua história havia coisas ainda pendentes, como a perda de um jovem amor que o assombrava e a presença de um perigo real nos arredores de sua casa. A padaria estava lhe dando a experiência necessária para poder enfrentar um grave perigo que ameaçava sua vida. Restava saber se Beto, com sua natureza tão simples e direta, seria capaz de aprender e sobreviver a este novo encontro com a sombra da morte.

Minhas impressões

Minha leitura completa de Padaria foi, por tolice minha adiada várias vezes, justifico dizendo que não dimensionava o valor da excelente obra abandonada na crescente pilha de livros para ler. Acrescento ainda o ponto de que, na ocasião, era relativamente próxima da autora, sim eu tive a honra de trabalhar com Gislene Vieira de Lima e temia ter que mentir se não fosse um livro tão bom. Ledo engano.

Padaria é um livro muito bacana que emociona, cativa e conquista o leitor de maneira sensível e o coloca em contato com um universo paralelo surpreendente, divertido e com direito a suspense e medinhos básicos envolvendo o tão esquecido e negligenciado folclore brasileiro.

Somos apresentados ao jovem Beto que veio do interior para estudar Direito, moço dedicado e com os tostões contados passa os dias naquele bom e velho dilema do perrengue universitário de almoçar macarrão instantâneo e pensar se não seria interessante economizar o dinheiro do ônibus para garantir a cópia dos textos a serem estudados. A identificação é imediata se você foi um aluno de graduação ou numa projeção de dias que virão, caso ainda esteja em fase pré-universitária.

Diante da necessidade de ter um orçamento mínimo, vem a busca por uma vaga no mercado de trabalho, reconhece porém não estar maduro o suficiente para o estágio na área de estudo e sabe da dificuldade que terá pelo fato de estudar no período matutino, daí o entusiasmo frente ao anúncio de uma vaga numa Padaria localizada estrategicamente entre sua casa e a faculdade.

O contato inicial na indicação da vaga e pseudo entrevista sinaliza algumas dúvidas e situações que afastariam qualquer candidato mais atento, mas Beto está tão precisado que ignora mostras de que existe algo, no mínimo estranho, na Padaria.

Não se preocupe demais. O tempo é como um enorme quebra cabeças que você nunca irá ver montado. Tentar visualizar toda a cena sem ter todas as peças é querer enlouquecer.

Vamos gradativamente conhecendo personagens que povoam a Padaria: Seu Mauro é um personagem ótimo, forte, com uma história bonita e que vai direcionar Beto a um amadurecimento e “entendimento” do que acontece, os irmãos são personagens curiosos que alternam e denotam um olhar especial e, além de outros tantos, a bela Catarina vai ser determinante por sua ambiguidade e personificação do desejo.

É muito curioso, na medida em que a leitura avança, ir identificado as lendas, causos e também conhecendo personagens de nosso rico e diversificado folclore e sua herança indígena, africana e europeia. A alternância de personagens místicos, de histórias que reavivam o imaginário popular brasileiro e o acesso às memórias dos causos assombrosos ouvidos aqui e ali durante nossa infância, tornam a leitura mais instigante e curiosa, sem falar na novidade daqueles que desconhecemos.

– Como assim?
– Ela abdicou de seu desejo. Ela decidiu dar outro rumo para o seu destino.
– Apenas isso?
Ele me olhou com curiosidade.
-Acha pouco?
-Ela mudou tudo só com a vontade dela?
– Os destinos estão sempre mudando. Cada ação cria um novo caminho, cada desejo um novo desenrolar de sua própria história. Ele teve o privilégio de ver o desfecho de um caminho. Apenas um de muitos outros que se abrirão para ela a cada decisão tomada.
– Então ela nunca esteve aqui?

É inevitável a reflexão sobre a riqueza da cultura nacional que é referência para obra e o quanto deixamos tal patrimônio esquecido diante do bombardeio “do que vem de fora” e não estamos questionando a qualidade do que importamos, trata-se de olhar com atenção os nossos mitos e ritos.

A sequência de situações que vão desenhando a história torna o leitor companheiro de jornada e cúmplice de Beto diante das aventuras vividas, sua graduação fica em segundo plano e tudo parece muito real talvez pela ingenuidade do rapaz vindo do interior, o que justificaria algumas de suas atitudes ou a real necessidade do emprego. O que acontece na Padaria em, por exemplo, um dia de Finados é de arrepiar.

Meus olhos finalmente conseguiram se comunicar com o meu cérebro e me explicar o motivo de minha sensação estranha. Estávamos os dois, eu e ela, bem embaixo de um poste de luz. Levei um tempo para tomar consciência do que estava me causando desconforto. Mas finalmente fui capaz de pregar meus olhos no chão e ver tudo com clareza. Não estava lá. A sombra dela não estava lá.

Além dos capítulos intitulados com todas as gostosuras de um balcão das padarias comuns, destaco a capa que apresenta um beija-flor e o resgate da bela lenda que conta a história de que o pássaro transita no mundo dos vivos e dos mortos.

Depois de ler, ir à Padaria nunca mais será igual! Vale! Permita-se!